O jornalismo e o suicídio: uma responsabilidade ética e social

O jornalismo e o suicídio: uma responsabilidade ética e social

Ontem (17), Ji-Paraná foi palco de uma tragédia que abalou a comunidade: um jovem tirou a própria vida ao se atirar de um prédio. O acontecimento, que deveria inspirar reflexão e cuidado, foi amplamente noticiado por veículos de imprensa, muitos dos quais divulgaram imagens do local, incluindo o corpo do jovem ainda coberto no chão. Essa abordagem, além de desrespeitosa, ignora completamente os riscos e as implicações éticas de se tratar o suicídio como um evento midiático.

O impacto de noticiar suicídios

Não é de hoje que estudos científicos apontam que a forma como o suicídio é noticiado pode gerar graves consequências. Esse fenômeno é conhecido como “Efeito Werther”, um termo que surgiu após a publicação de “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, de Goethe, em 1774. Na obra, o personagem principal tira a própria vida, e, na época, a descrição do ato levou a um aumento de casos semelhantes entre jovens europeus.

Pesquisas modernas reforçam essa constatação. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), reportagens sensacionalistas ou detalhadas sobre suicídios podem desencadear ‘comportamentos imitativos’, principalmente entre pessoas que já têm ideação suicida. Um exemplo marcante ocorreu após o suicídio do ator Robin Williams, em 2014, quando os Estados Unidos registraram um aumento de 10% no número de suicídios nos meses seguintes. Estudos apontaram que a cobertura excessiva e a menção ao método utilizado foram fatores que influenciaram esse crescimento.

A dor da exposição e o respeito à família

Por trás de cada tragédia como a de ontem, há uma família devastada pela dor e pelo luto. Imagine o impacto adicional de ver o sofrimento privado transformado em espetáculo público. Fotografar o local, divulgar detalhes do ato ou expor, ainda que parcialmente, a imagem da vítima são práticas que intensificam o trauma dos familiares e amigos. Essa exposição não apenas desrespeita a memória do jovem como também relega a família à indignidade de reviver a tragédia a cada clique ou compartilhamento.

O papel da mídia: informar ou expor?

O jornalismo tem a responsabilidade de informar, mas também carrega o dever ético de não causar mais danos do que os já existentes. Quando se trata de suicídio, a OMS recomenda diretrizes claras para abordar o tema sem gerar impacto negativo. Entre elas:

1. Evitar detalhes explícitos ou gráficos: Não mencionar o método ou mostrar imagens do local.

2. Não romantizar ou glorificar o ato: Enfatizar que o suicídio é resultado de questões complexas, não um gesto de heroísmo ou solução.

3. Focar na prevenção e no apoio: Oferecer informações sobre onde buscar ajuda, como serviços de saúde mental e linhas de apoio.

4. Manter a dignidade das vítimas e suas famílias: Respeitar o luto e evitar expor a tragédia de forma desnecessária.

Noticiar o suicídio com responsabilidade

É fundamental que os jornalistas compreendam que o suicídio não é uma pauta comum. A abordagem precisa ser cuidadosa, com foco em conscientização e prevenção, e não em detalhes chocantes ou sensacionalismo. O caso de Ji-Paraná deveria ter servido como um alerta para a necessidade de discutir saúde mental e criar um ambiente de apoio às pessoas em sofrimento psíquico, em vez de perpetuar um ciclo de dor e possíveis imitações.

Como profissionais da comunicação, é nosso dever usar as palavras e as imagens com consciência. Precisamos entender que o impacto de uma notícia vai muito além do momento em que é publicada. Cada linha escrita, cada imagem exibida carrega o poder de informar, educar ou destruir. É hora de repensarmos nossas práticas e lembrarmos que ética não é apenas uma regra, mas uma postura que define o valor do jornalismo na sociedade.

Observação:

Se você está passando por dificuldades, busque ajuda. Fale com alguém de confiança ou procure apoio profissional. Você pode contar tmwbem com o CVV (Centro de Valorização da Vida) que está disponível 24 horas pelo número 188, oferecendo atendimento gratuito e sigiloso.

FERNANDO PEREIRA - JORNALISTA